Política / Justiça
Por que Bolsonaro é julgado no STF e Lula foi julgado em 1ª instância?
Mudanças no entendimento sobre foro privilegiado explicam diferença entre os dois casos
03/09/2025
15:30
DA REDAÇÃO
©REPRODUÇÃO
A retomada do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu uma dúvida comum: por que Bolsonaro está sendo julgado diretamente pela mais alta Corte do país, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante a Operação Lava Jato, foi processado na primeira instância, em Curitiba?
A resposta está nas mudanças de interpretação do foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, ao longo da última década.
Na época da Lava Jato, o STF entendia que o foro privilegiado só valia enquanto a autoridade estivesse em exercício do cargo. Após deixar a Presidência em 2010, Lula perdeu a prerrogativa e, por isso, foi julgado por um juiz de primeira instância — no caso, Sérgio Moro, em Curitiba.
Acusações como a do tríplex do Guarujá foram enquadradas como desvinculadas do exercício da Presidência. Assim, os processos tramitaram em primeira instância, sem passar pelo STF.
Em 2018, após os desdobramentos do Mensalão e o grande volume de ações criminais, o Supremo restringiu ainda mais o foro: deputados e senadores, por exemplo, só teriam foro se os crimes estivessem diretamente relacionados ao exercício do mandato.
Em março de 2024, o STF alterou novamente a regra:
Se os crimes forem funcionais, ou seja, relacionados ao exercício do cargo, o foro privilegiado permanece, mesmo após o fim do mandato.
Além disso, se a investigação já tiver começado no STF, o processo deve continuar lá. Essa medida evita que réus renunciem a cargos ou manipulem a jurisdição para atrasar julgamentos.
As acusações contra Bolsonaro — como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa — são ligadas diretamente ao exercício da Presidência.
Por esse motivo, o STF manteve a competência para processá-lo.
Segundo a advogada criminalista Ana Krasovic, do escritório João Victor Abreu Advogado:
“No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, os supostos crimes que estão sendo apurados foram, em tese, cometidos enquanto Presidente da República e, ainda, sendo dois deles contra o Estado Democrático de Direito”.
O julgamento direto pelo STF não é “melhor” ou “pior”. Existem prós e contras:
Vantagens: celeridade do processo e análise feita por ministros experientes.
Desvantagem: é uma instância única, sem possibilidade de recurso a um tribunal superior. A decisão é definitiva.
O advogado criminalista Henrique Attuch observa:
“É uma instância única: inexiste possibilidade de apelar da condenação à outra autoridade, tornando o julgamento de mérito definitivo pelo próprio STF”.
Tecnicamente, o foro privilegiado existe para proteger o cargo público contra perseguições políticas ou pressões em instâncias inferiores, como explica o jurista Marcelo Válio:
“O objetivo é proteger a instituição e o exercício do cargo de perseguições políticas ou pressões que poderiam ocorrer em juízos de primeira instância”.
No entanto, a percepção pública é crítica:
Muitos enxergam o foro como um privilégio para autoridades, associado à demora em julgamentos ou até à prescrição de crimes.
Essa visão reforça a ideia de que haveria uma “justiça para os poderosos” e outra “para o cidadão comum”.
Lula foi julgado em 1ª instância porque, na época da Lava Jato, o foro privilegiado não se aplicava a ex-presidentes fora do mandato.
Bolsonaro é julgado no STF porque, após a mudança de entendimento em 2024, os crimes atribuídos a ele são considerados funcionais, ligados diretamente ao exercício da Presidência, o que mantém a competência do Supremo.
Os comentários abaixo são opiniões de leitores e não representam a opinião deste veículo.
Leia Também
Leia Mais
Relação de Fux com colegas da 1ª Turma do STF estava “insustentável”, avaliam ministros após voto divergente em julgamento de Bolsonaro
Leia Mais
Outubro Verde: mitos e verdades sobre a sífilis
Leia Mais
40 programas e ações que aprimoram a educação brasileira desde 2023
Leia Mais
Bolsonaro vai para a prisão? Entenda os próximos passos após publicação do acórdão do STF
Municípios