Política / Justiça
Bolsonaro aposta em narrativa jurídica e retórica política para rebater acusações de golpe de Estado
Ex-presidente tenta deslegitimar provas, relativiza declarações e diz que discutiu apenas medidas dentro da Constituição
09/06/2025
10:00
DA REDAÇÃO
©DIVULGAÇÃO
Diante do avanço das investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem apostado em estratégia dupla de defesa: no campo jurídico, busca descredibilizar provas e delações; no campo político, recorre à retórica para disputar narrativas públicas.
Alvo de denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) como líder de uma organização criminosa voltada à ruptura institucional, Bolsonaro admite ter discutido "alternativas" no fim de seu mandato, mas nega qualquer intenção golpista. Segundo ele, todas as conversas ocorreram "dentro das quatro linhas da Constituição".
“O golpe é porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”, afirmou em fevereiro de 2024.
Na defesa protocolada no STF, os advogados de Bolsonaro argumentam que, mesmo que as minutas de decretos existam, tratam-se de atos preparatórios, não passíveis de punição, pois nunca foram assinados ou colocados em prática.
Eles afirmam que a minuta apreendida na casa de Anderson Torres, que previa um estado de defesa no TSE, não passou do papel. A tese jurídica sustenta que não houve execução de crime, o que afastaria a responsabilização penal.
Contudo, os próprios crimes pelos quais Bolsonaro foi denunciado — golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — já punem a tentativa, conforme legislação sancionada pelo próprio ex-presidente em 2021.
Especialistas, no entanto, veem na postura de Bolsonaro um padrão conhecido como “legalismo autoritário”. Para a professora Heloísa Câmara, da UFPR, o ex-presidente busca usar o discurso constitucional como instrumento para legitimar práticas inconstitucionais, uma estratégia comum em regimes que procuram dar verniz jurídico a ações golpistas.
“É uma retórica que serve para criar incertezas sobre o que é ou não legal. Tentativas de impedir a posse de um presidente eleito se enquadram, sim, na definição clássica de golpe de Estado”, afirma.
Já o jurista Vinícius Assumpção, do IBCCrim, destaca que a simples cogitação e movimentação para aplicação de medidas de exceção fora de contexto constitucional legítimo pode configurar tentativa de golpe:
“Estado de defesa e estado de sítio não podem ser usados para contestar um resultado eleitoral. É uma tentativa de vestir o golpismo com roupa legal.”
Minutas de decreto
Estado de Defesa – encontrada em janeiro de 2023 na casa de Anderson Torres. Previa intervenção no TSE e criação de comissão para reavaliar o processo eleitoral.
Estado de Sítio – localizada em celular de Mauro Cid e, posteriormente, na sede do PL. Segundo Cid, documento foi revisado por Bolsonaro.
Delação de Mauro Cid
O ex-ajudante de ordens relatou que Filipe Martins entregou a primeira versão da minuta a Bolsonaro, que pediu alterações. O documento teria sido discutido com generais, como Estevam Theophilo.
Testemunhos militares
Os ex-comandantes das Forças Armadas, Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), confirmaram reuniões com Bolsonaro e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, nas quais foram apresentadas propostas de decretos golpistas.
Mensagens e áudios
Áudio de Mauro Cid para Freire Gomes, de 9 de dezembro de 2022, afirmava que Bolsonaro “enxugou” a minuta.
Conversas com coronéis mostram que Bolsonaro buscava apoio nas Forças Armadas para viabilizar o plano.
Registros de entrada de generais no Palácio do Alvorada coincidem com os relatos de reuniões.
Desde o início de 2023, Bolsonaro passou a moldar seu discurso público diante do avanço das investigações. Em algumas falas, nega ter discutido golpe. Em outras, admite ter analisado dispositivos constitucionais, como o artigo 142, estado de defesa e sítio, mas sempre tentando diferenciar isso de uma tentativa de ruptura democrática.
Fevereiro/2024, em ato na Paulista:
“Golpe é tanque na rua, é arma. Nada disso foi feito. Me acusam de golpe por causa de uma minuta de decreto?”
Novembro/2024:
“Da minha parte nunca houve discussão de golpe. Tudo que estudei foi dentro das quatro linhas da Constituição.”
Março/2025:
“Você discutir sobre dispositivos constitucionais com comandantes é crime? Qual o problema em conversar?”
As contradições entre o discurso público e as evidências documentais reforçam, para a PGR, a existência de um movimento coordenado para impedir a posse de Lula, com articulação de forças políticas, jurídicas e militares.
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