Campo Grande (MS), Quinta-feira, 16 de Janeiro de 2025

SAÚDE

Se uma nova técnica ajudar, posso reconsiderar a eutanásia, diz brasileira com pior dor do mundo

De alta intensidade, a dor atinge o rosto -no caso de Carolina, nos dois lados- na forma de pontadas ou choques

08/07/2024

08:00

NAOM

© Reprodução - Redes Sociais

Duas novas esperanças podem mudar a ideia da estudante de veterinária Carolina Arruda, 27, de buscar a eutanásia na Suíça. Há 11 anos, ela convive com neuralgia do trigêmeo, um distúrbio que provoca uma dor incapacitante, considerada a pior do mundo.

De alta intensidade, a dor atinge o rosto -no caso de Carolina, nos dois lados- na forma de pontadas ou choques. "É variável, mas algumas pessoas podem ter 200 choques por dia, diz Sérgio Jordy, neurologista do Centro Médico e Sinapse e do Hospital São Luiz (unidade Itaim), da Rede D'Or.

"O choque elétrico da crise é muito forte. Eu tenho uma dor constante durante o dia, uma dor permanente, e ela fica ali no nível 6, mais ou menos. E quando tem a crise, a dor aumenta muito, vai ao nível 10 e fica muito insuportável", relata Carolina.

Segundo a estudante contou em entrevista à Folha, uma das possibilidades vem do próprio neurologista, Wellerson Sabat, e de uma equipe da Argentina. Trata-se de nova uma técnica para tratar neuralgia do trigêmeo, provavelmente cirúrgica. A consulta com o médico brasileiro será no dia 18 de julho e custará R$ 400. A equipe argentina ainda não informou datas, procedimentos e valores.

"Eu vou tentar dependendo da margem de sucesso. Tudo vai depender do que eles me apresentarem, porque se for uma terapia que não tem muitas chances de sucesso, não tem muitos estudos, eu não vou me arriscar e me submeter a mais tipos de cirurgia. Então, eu tenho que avaliar bem a proposta, a condição. O médico ainda tem que me passar as informações", diz a paciente.

A segunda esperança está na Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas (MG). Nesse caso, Carolina, que é mineira de Bambuí, já conhecia o trabalho dos médicos da instituição, mas nunca havia conseguido acesso devido ao valor alto. A consulta será realizada na segunda-feira (8), de forma online. A estudante não pagará nada por ela.

"Se der certo e aliviar a dor, talvez eu reconsidere a eutanásia. Tudo é válido para minimizar a dor. Mesmo que eu tenha decidido optar pela eutanásia, ainda terei que passar por um processo burocrático e demorado", afirma.

"Por uma despedida digna: ajude Carolina a alcançar paz" é o título da vaquinha online que busca arrecadar R$ 150 mil para pagar a eutanásia na instituição Dignitas, na Suíça, um dos países onde a prática é permitida por lei, ao contrário do Brasil. Criada no dia 1º de julho, a vaquinha já tinha mais R$ 115 mil -cerca de 77%- doados por 2.835 apoiadores até as 19h deste domingo (7).

O caso viralizou nas redes sociais. Com isso, a estudante conseguiu contato com pessoas que importam canabidiol. "Eu já tenho uma empresa que me fornece o canabidiol, por parceria, em troca de divulgação nas minhas redes", relata.

Além de canabidiol, a mineira faz uso de dez medicamentos por dia, entre antidepressivos, anticonvulsivos, opioides e relaxantes musculares. As crises já afetaram sua saúde mental. Carolina já tentou suicídio duas vezes.

Ela passou por quatro cirurgias, 70 médicos consultados e mais de 50 remédios testados. Faz parte do tratamento aplicação de botox a cada quatro meses no músculo temporal e masseter (um dos quatro músculos da mastigação). A terapia deixa a dor cerca de 5% menos intensa, de acordo com a paciente.

Carolina teve a primeira crise há 11 anos, quando estava na casa da avó. Ela tinha saído de um quadro de dengue. Na época, o médico disse à estudante que o problema pode ter sido provocado pelo vírus que causa a doença, porque ele se aloja nos nervos.

Segundo Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, consultado pela reportagem, a dengue pode ter raras manifestações neurológicas diretas –acarretadas pelo vírus– ou indiretas, mediadas pela imunidade em resposta à infecção.

"É preciso excluir outras causas, mas temos observado algumas manifestações neurológicas, sobretudo polirradiculoneurites (síndrome de Guillain-Barré) ou encefalites mas, em teoria, sim, pode haver um fator desencadeante dessa dor com a dengue", afirma Araújo.

"Para aquelas pessoas que também têm neuralgia de trigêmeo, o meu recado é que não se desesperem e não achem que a eutanásia é a saída para qualquer doença nesse nível. O meu caso é extremamente raro, que não dá para ser usado como referência. O que eu quero dizer é que as pessoas que sofrem disso, obrigatoriamente, vão se curar somente pela eutanásia. Existem vários tratamentos possíveis", declara Carolina.

O que é neuralgia do trigêmeo?

A neuralgia do trigêmeo é um distúrbio que provoca uma dor intensa na região do rosto -pode atingir a cabeça- por onde passa o nervo trigêmeo, responsável pela sensibilidade tátil, térmica e dolorosa da face.

O trigêmeo tem três ramificações: oftálmica, maxilar e mandibular. Ele controla as sensações do rosto.

"O trigêmeo é um nervo que faz, primariamente, a inervação do rosto. É um nervo craniano direto. Então, as regiões mais para cima da cabeça são inervadas por nervos que saem direto do tronco cerebral. E o rosto é inervado pelo trigêmeo. Quando acontece alguma lesão desse nervo, ou às vezes, até por um motivo que não se sabe bem, acontece uma hiperestimulação causando o que se chama neuralgia do trigêmeo", explica o neurologista Sérgio Jordy.

Hoje há muitas formas de tratamento, de acordo com o especialista.

"Hoje há tratamentos com remédios, cirurgias, com radiocirurgias, que você nem abre e consegue, de uma certa forma, bloquear. Pode até cortar o nervo, eventualmente, para tentar. A pessoa fica sem sensibilidade no rosto, mas a neuralgia, muitas vezes, melhora", explica o médico.

A disfunção pode ser ocasionada por má formação no nervo doenças, como a esclerose múltipla e tumores. Qualquer lesão no trigêmeo pode causar a neuralgia, como procedimentos odontológicos em que o dentista lesionou o nervo, ou até abcessos, de acordo com o neurologista.


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