POLÍTICA
PEC da Vida: proposta pode inviabilizar aborto legal e aumentar mortalidade materna
Texto que prevê "vida desde a concepção" divide opiniões e gera alerta entre especialistas.
29/11/2024
08:10
NAOM
DA REDAÇÃO
©DIVULGAÇÃO
Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na quarta-feira (27), a proposta de emenda à Constituição (PEC) conhecida como "PEC da Vida" pode trazer consequências graves para os direitos reprodutivos no Brasil. Especialistas alertam que a mudança, que inclui a proteção da "vida desde a concepção" na Constituição, pode inviabilizar o aborto mesmo em casos legais, como risco de morte para a mãe.
Apresentada em 2012 pelo ex-deputado Eduardo Cunha, a PEC altera o artigo 5º da Constituição, ampliando a proteção ao direito à vida desde a concepção. O texto, vago em sua redação, gera incertezas jurídicas que podem comprometer o atendimento médico em situações críticas, como apontam médicos e defensores dos direitos das mulheres.
Para Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta, a PEC pode agravar ainda mais a mortalidade materna no Brasil. "Ela cria uma confusão jurídica que certamente vai aumentar a mortalidade", afirma. Casos como gravidez ectópica, que representam risco iminente à vida da mulher, podem colocar médicos em situações de dúvida sobre a legalidade da interrupção da gravidez.
Helena Paro, diretora do serviço de aborto legal do Hospital das Clínicas de Uberlândia, reforça a preocupação. "Hoje, 30% das mortes maternas decorrem de condições que pioram com a gravidez e que têm indicação clínica para interrupção", afirma. Paro compara o cenário ao de estados dos EUA, onde leis antiaborto levaram a casos fatais, como o de uma mulher que morreu de infecção generalizada após médicos hesitarem em interromper sua gestação inviável.
Movimentos pró-descriminalização do aborto classificam a PEC como um "retrocesso". Eles argumentam que a inclusão da "vida desde a concepção" pode ser usada como justificativa para barrar qualquer forma de aborto, mesmo em situações previstas no Código Penal, como risco de vida da gestante, gravidez decorrente de estupro e casos de anencefalia.
A advogada Beatriz Alaia Colin destaca que, embora a legislação atual preveja excludentes de ilicitude para essas situações, a PEC pode gerar interpretações restritivas, impactando diretamente a segurança das mulheres. "O texto tem o potencial de abrir espaço para vetar até mesmo o aborto legal", alerta.
Entre os apoiadores da PEC, a narrativa predominante é de preservação da vida desde a concepção. Parlamentares e líderes religiosos, como a pastora Elizete Malafaia, argumentam que o texto não compromete os casos de risco à vida da gestante. "Se a gravidez põe em perigo a vida materna, a preferência é da mãe", afirma Malafaia.
O deputado Marco Feliciano (PL-SP) defende que a PEC apenas reafirma o início da vida na concepção e que as condições para interrupção da gravidez serão debatidas em uma comissão especial. "Ouviremos cientistas e especialistas antes de qualquer decisão final", garante.
A proposta reacende debates antigos sobre os limites dos direitos reprodutivos no Brasil. Enquanto movimentos conservadores defendem o texto como um freio à ampliação do aborto no país, especialistas e movimentos progressistas temem que ele represente uma guinada ainda mais rígida em relação ao controle sobre o corpo das mulheres.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: risco de vida da mãe, estupro e anencefalia. Contudo, declarações como a da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), que classificou o aborto como "tortura" e reforçou oposição ao procedimento mesmo em casos de estupro, intensificam os temores de retrocesso.
Se promulgada, a PEC não apenas endureceria as regras atuais, mas também enviaria um recado contra a flexibilização do aborto no Brasil. Para defensores do texto, como o apóstolo Estevam Hernandes, "a lei deve permanecer como está, protegendo os casos excepcionais e promovendo alternativas como a adoção."
Por outro lado, especialistas alertam que a confusão jurídica gerada pela proposta pode colocar em risco a saúde e a vida de milhares de mulheres. O debate segue polarizado, com movimentos organizados de ambos os lados pressionando o Congresso Nacional.
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