Defesa quer usar material para tentar anular processos aos quais ex-presidente responde na Justiça. Operação Spoofing prendeu hackers que invadiram celulares de membros da Lava Jato.
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A maioria dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal votou nesta terça-feira (9) pela rejeição de um recurso de procuradores que integraram a força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná contra o acesso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a mensagens apreendidas na Operação Spoofing.
O voto do relator, Ricardo Lewandowski, contrário ao recurso, foi seguido pelos ministros Nunes Marques e Cármen Lúcia. Edson Fachin divergiu. Até a última atualização, faltava o voto do ministro Gilmar Mendes.
A Operação Spoofing prendeu em julho de 2019 hackers suspeitos de invadir celulares de autoridades, entre as quais o ex-juiz Sergio Moro e integrantes da força-tarefa.
Em dezembro do ano passado, Lewandowski concedeu uma decisão individual que permitiu à defesa de Lula ter acesso às mensagens trocadas entre procuradores e o ex-juiz por celular.
Os advogados querem usar o material para tentar anular os processos aos quais responde o ex-presidente na Justiça, como as condenações do caso do triplex do Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP), sob argumento de que houve perseguição da Lava Jato.
Ao STF, a força-tarefa da Lava Jato defendeu que não há comprovação de que o material é legítimo, e argumenta que pode ter havido adulterações e edições das cópias �?? o que tornaria a prova "imprestável" �?? e que a perícia realizada na operação Spooging não atestou a autenticidade das mensagens.
O voto do relator
No recurso da força-tarefa do Paraná, Lewandowski votou pela rejeição por questão processual. Ele entendeu que não há previsão legal para os procuradores questionarem o acesso dado às mensagens da Spoofing pelo STF aos advogados de Lula.
Lewandowski afirmou que autorizou o acesso às mensagens diante da resistência da Lava Jato em prestar informações à defesa sobre a existência das tratativas do acordo de leniência da Odebrecht. Segundo ele, essa negativa durou mais de três anos.
O ministro disse que não está tratando da legalidade das mensagens. Segundo ele, isso deve ser eventualmente discutido em outro processo que liberou o material. Ele ressaltou ainda que não há compromisso com o uso dessas mensagens em processos.
Para Lewandowski, é �??extremamente grave�?� parte das mensagens que a defesa de Lula juntou ao processo, mostrando tratativas de Lava Jato com autoridades norte-americanas sobre o acordo de leniência da empreiteira Odebrecht.
Lewandowski chegou a ler trechos das mensagens atribuídas aos procuradores da Lava Jato e disse que há indícios de que material da Odebrecht usado como prova foi manipulado pelos procuradores sem o devido cuidado, como prevê a lei.
Manifestações dos demais ministros
Nunes Marques - "Entendo inexistir legitimidade processual aos peticionantes na medida em que atuam em nome próprio em interesse alheio. Ainda que se busque defesa de interesses institucionais, é de competência exclusiva do procurador-geral da República."
Edson Fachin - "As fundamentações desse agravo são basicamente três: eventual utilização indevida sem autenticidade apreendida pela operação Spoofing, o que viola a garantia fundamental; o reclamante não tem legitimidade para pleitear acesso aos arquivos, porque seu celular não foi invadido, o reclamante não é vítima; laudo da Polícia Federal atesta apenas e tão somente que o conteúdo apreendido não poderia ser editado sem o conhecimento da PF, mas não atesta a veracidade do conteúdo."
Cármen Lúcia - "Fico com um dado que me chama atenção: a polícia tem acesso a dados, o MP tem acesso a dados, o juiz tem e a defesa não tem? Isso não é direito constitucional assegurado? Acho que é preciso que levemos com a segurança que o direito constitucional assegura."
Procuradores
A subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio questionou o fato de o ministro Ricardo Lewandowski ter concedido o acesso às mensagens durante o recesso do tribunal.
Ela ainda ressaltou o alcance da decisão do ministro, que liberou todo acervo apreendido e classificou a medida como de "extrema gravidade".
Segundo a subprocuradora, a defesa de Lula tem em mãos "farto material", que, segundo ela, não pode ser usado pela defesa, como mensagens sobre adversários políticos.
�??O eminente ex-presidente da República tem farto material sem qualquer limitação, que não dizem respeito a ele e não podem ser usados em seu direito de defesa. O relator não se preocupou com a defesa dessas pessoas, desmontando jurisprudência de repúdio da prova ilícita. O que aconteceu nesses autos é fato de extrema gravidade. Nunca vi uma situação dessa magnitude. Ex-presidente tem materiais relativos a opositores políticos. O uso que ele vai fazer disso aparentemente não interessa à Justiça. Material envolvia mensagens pessoais, não atividade funcional. Conversas de famílias, de amigos, de todas as autoridades�?�.
Responsável pela defesa dos procuradores, o advogado Marcelo Knopfelmacher afirmou que o material a que a defesa do ex-presidente Lula teve acesso foi obtido de forma ilícita e também questionou o fato de o ministro Ricardo Lewandowski ser o relator da ação.
Para a defesa, não foi atestado que o material apreendido corresponde a mensagens efetivamente trocadas entre os procuradores.
"Jamais houve aferição entre o que foi apreendido e o que teria sido digitado entre as vítimas, porque nunca teve esse cotejo. Quando teve a Operação Spoofing, os usuários nem tinham mais Telegram. Esse cotejo nunca houve. Os sete procuradores se preocupam com a manutenção do Estado Democrático de Direito, garantias básicas fundamentais e que todas as questões não sejam ignoradas. Se deram um crédito que não corresponde a absolutamente nada, a sensação de ser cidadão no Brasil é preocupante.�?�
Defesa de Lula
O advogado de Lula, Cristiano Zanin, afirmou que as mensagens têm relação com o acordo de leniência da Odebrecht, que teve o acesso liberado para a defesa do petista.
Zanin afirmou que a Lava Jato escondeu a interação com autoridades internacionais sobre a leniência porque as conversas foram feitas de forma informal, sem passar pelos canais previstos em lei.
�??Nós não estamos aqui tratando de conversas pessoais, familiares, de amigos. Estamos tratando de conversas entre agentes públicos, que ocorreram em aparelhos funcionais que dizem respeito a processos que tramitam na justiça. Prática de atos processuais clandestinos, para esconder relações espúrias�?�, afirmou.
Por Márcio Falcão e Fernanda Vivas, TV Globo �?? Brasília
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